Há quem
queira saber e tomar ciência ou ter uma interpretação ou compreensão da obra
Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis, escrita e desenvolvida por
volta do ano de 1880 pela Revista Brasileira.
Nesta
riquíssima obra, e com muita audácia, Machado de Assis de forma livre e de modo
clássico, fazendo uso de um vocabulário próprio e original, não só descreve um
romance e a história da vida de Brás Cubas, mas narra de modo sucinto algumas
problemáticas daquela época, como: a escravidão; as classes sociais; o
cientificismo; e uma nova filosofia, o Humanitismo. Além de narrar essas
temáticas, Machado de Assis, expõe com sutileza, as relações extraconjugais, as
quais para a sociedade daquela época eram consideradas como escândalos, bem
como expõe com profundidade os diversos problemas sociais daquele período e que
existem até hoje em nossa sociedade.
Entretanto,
será bem isso que Machado de Assis quis retratar em sua obra?
Considerando
a obra no todo e tendo um olhar diferenciado da mesma, de modo sutil, podemos
perguntar: Será que Machado de Assis absorto em seus pensamentos não quis esclarecer
ou trazer a tona uma concepção de memória?
Tal questão
antes de ser esclarecida, merece uma ponderação ou um motivo para ser
respondida, porque a obra versa as experiências, as “aventuras” e os méritos de
Brás Cubas, começando pela sua morte até retornar a sua infância. Depois, de
modo cronológico, linear e seguindo uma ordem lógica, a própria obra segue
narrando os acontecimentos da infância, da adolescência, a ida para Coimbra, à
volta ao Brasil e a morte. E isso, nada mais e nada menos, é trazer de modo
claro e distinto uma concepção de memória, bem como é fazer memória.
A esse
respeito, descreve o defunto autor de Machado de Assis: “Conseguintemente,
evito contar o processo extraordinário que empreguei na composição destas Memórias, trabalhadas cá no outro mundo”
(Assis, 1982, p. 11).
Nesse
sentido, levando em consideração a perícope acima, podemos afirmar que Machado
de Assis e seu defunto autor procuraram nos conduzir a uma ideia ou
delineamento do conceito de memória.
Para esse
assunto nos perguntemos: O que é memória?
Nesse
primeiro momento, e antes de chegarmos a uma resposta definitiva da questão
acima, sumariamente podemos defini-la como anámnesis,
termo grego que designa: recordação; lembrança; memória; trazer à mente.
E na
filosofia platônica, anámnesis
consiste num esforço progressivo pelo qual a consciência individual do sujeito
se esforça em lembrar e retornar ao espírito das ideias contempladas no
passado, ou seja, ela é o processo do conhecimento pelo qual o sujeito
histórico se esforça em recordar e remontar aquilo que está dentro dele, e este
processo é denominado segundo Platão como reminiscência,
pois para ele a essência ou ideia das coisas se encontram em nós, e por
isso nós temos que nos esforçar em lembrar, recordar e remontar as ideias que
fora contempladas no passado e que estão disponíveis em nós.
Por outro
lado, na filosofia aristotélica, o conceito de memória é oposto ao de Platão (427-347 a.C.), porque segundo
Lalande (1999, p. 952) para Aristóteles (384-322 a.C.) a memória “é a simples conservação do passado e o seu retorno
espontâneo ao espírito”, bem como é a faculdade ou capacidade de “provocar
voluntariamente as recordações de um esforço e intelectual, e de localizá-las
exatamente no tempo. É uma função da inteligência humana que os animais não
possuem” (LALANDE, 1999, p. 952).
Nesta
análise, temos assim duas concepções distintas de memória, uma em que o lembrar é involuntário, e a outra em que o
lembrar é voluntário, isto significa que na filosofia platônica o fazer memória
é involuntário, é independente da vontade. E na filosofia aristotélica o fazer
memória é voluntário, deriva da vontade própria.
Entretanto,
as concepções filosóficas acima traçam uma definição acerca do termo memória, definindo-a como uma
capacidade, faculdade ou disposição de trazer à mente as lembranças ou recordações
dos acontecimentos de outrora que estão retidos e conservados em nosso
intelecto. Além disso, com atributos específicos e essenciais, ela pode ser
entendida e compreendida como fonte de recordação e de transmissão de
conhecimento, assim como a faculdade de reter as ideias adquiridas e
vivenciadas.
Partindo
dos pressupostos e das ideias acima, Machado de Assis e seu defunto autor procuraram
realizar um exercício do pensamento, isto é, conservaram os traços do passado e
os tornaram objetos de conhecimento, e organizaram voluntariamente as
representações, as imagens e as ideias retidas no intelecto. Conseguintemente,
fizeram memória, seja ela voluntariamente ou involuntariamente. Logo, com certa
sutileza e com esforço intelectual, Machado de Assis em seu trabalho literário
artístico, delineou, reconceituou e nos trouxe a ideia do que é memória.
Deste modo,
o defunto autor de Marchado de Assis, manipulou e resgatou o conhecimento e as
informações retidas em seu intelecto, e realizou uma viagem mental no tempo,
lembrando o que aconteceu no passado, e até mesmo revivenciando-o no presente,
com isso ele remodela e reconstrói as experiências e os acontecimentos
históricos vivenciados outrora.
Portanto, considerando
a reflexão realizada até este momento, este ensaio em linhas gerais, através de
algumas concepções filosóficas acerca do termo memória, e sem função ideológica, sob a ótica da experiência e da
atividade produtiva, receptiva e comunicativa da prática histórica e social,
esforçou em buscar, e teve como intuito em nos conduzir a termos um outro olhar
da obra machadiana. Nesse sentido, não temos a intenção de esgotarmos a nossa
reflexão, mas conduzir o leitor da obra Memórias Póstumas de Braz Cubas a
entender a sua magnitude e o seu produto objetivado, o qual foi refletido neste
ensaio.
Referência
bibliográfica
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução: Alfredo Bosi. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
ASSIS, Machado de. Memórias
Póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Abril Cultural, 1982.
CHALITA, Gabriel. Vivendo
a filosofia. São Paulo: Atual, 2004.
GINGRICH, F. Wilbur. Léxico
do novo testamento: grego/português. Tradução: Julio P. T. Zabatiero. São
Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1984.
JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.
LALANDE, André. Vocabulário
técnico e crítico da filosofia. Tradução: Fátima Sá Correia et al.
São Paulo: Martins Fontes, 1999.
MONDIN, Batista. Curso
de filosofia: os filósofos do ocidente. Tradução do italiano: Bênoni Lemos.
Revisão: João Bosco de Lavor Medeiros. São Paulo: Paulus, 1981.
MORA, José Ferrater. Dicionário
de filosofia. Tradução: António Massano, Manuel J. Palmeirim. Lisboa:
Publicações Dom Quixote, 1978.
RUSS, Jacqueline. Dicionário de
filosofia. Tradução: Alberto Alonso Muñoz. São Paulo: Scipione, 1994.
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Memórias Póstumas de Braz Cubas from Siloer on Vimeo.
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